a bola...

uma pequena crónica que me acompanha já à algum tempo... Data de Sexta-feira, 19 de Abril de 2002. É da autoria de André Martín e vinha no jornal A BOLA, é um pouco extensa, mas vale a pena... A criança chamava-se Abu Ali Botter, 9 anos, era Palestina. Vivia em Tulkarem, pequena cidade da Palestina, tão cruelmente ocupada pelos israelitas. Como tantas crianças do mundo, negras, brancas, azuis, verdes da América , Europa, Ásia, África e Oceania, gostava da bola, mesmo que fosse de trapos. A felicidade de brincar com os amigos era infinita. Lá estavam Amin, Yasser, Mohamed, seu irmão Mustafá e outros. Corriam, gritavam e bringavam por tudo e por nada., não se importando com os golos - na verdade nada importava: perder ou ganhar, os rivais de ontem seriam os companheiros de hoje e assim sempre, excepto quando jogavam com os gajos do outro bairro. Nesse caso, a luta era de morte. Nem mais nem menos que o prestígio do bairro! A criança chamava-se mohamed Abu Ali Butter e nesse dia estava extremamente nervosa, como qualquer criança do mundo. Os israelitas que agora ocupavam a sua cidade para procurar os terroristas que, segundo os invasores com os seus tanques, seus capacetes, suas metralhadoras impressionantes e sobretudo o seu olhar duro e a sua voz pior que o uivo de um lobo, eram os amigos do pai, ou até o próprio pai. Decretaram o estado de sítio e recolher obrigatório, com horas marcadas para sair, entrar, comer e procurar comida. Nesse dia, Mohamed tinha de ver os seus amigos e os gajos do outro bairro, que agora eram os seus irmãos (assim diziam o pai e a mãe, mas para Mohamed eram osn rivais), para tirar uma teima. Estava portanto à espera das horas em que podia sair para levar a bola e, de passagem, comer um gelado na casa do Jabdan (talvez ainda tivesse algum gelado, pois ninguém sabia se havia água, porque os ocupantes cortavam-na). Além disso tinha que levar a bola que a sua própria mãe tinha feito para eles. Às três horas lá foi Mohamed, o miúdo. Comprou o tal gelado e, feliz da vida, pontapeava a bola, comendo a iguaria que ia partilhar com seu irmão Mustafá, de 13 anos. Atravessava a rua quando viu o tanque. Gigante, com um tipo de óculos negros que parecia um grandegafanhoto lá em cima, com uma pçaca que girava e tinha um canhão enorme que Mohamed olhou fascinado. pensou no que faria aquele tipo e deu uma lambida no gelado; pontapeou a bola com tanta pontaria que ela foi bater quase na cabeça do tipo do tanque. Mohamed correu em busca da sua querida bola, reclamando. Viu, então, o canhão virado para si, ouviu um boom intenso, uma dor forte no peito e o grito de Mustafá - Mataram o meu irmão! Depois... depois as ambulâncias não puderam passar porque os soldados não deixaram. Mustafá pegou nele e foi a correr na direcção que pensou seria o Hospital. Mohamed, o miúdo de 9 anos, mais nada sentiu, só um segundo antes o grito terrivel de Mustafá - Assassinos! A criança chamava-se Mohamed Abu Alí Botter e tinha 9 anos. Só queria jogar à bola.
O soldado israelita Daniel Belo viu o miúdo cair, o irmão correr, pegar-lhe ao colo e gritar. Soube que tinha morto aquela criança inocente - disparara sem pensar por estar tão tenso e com tanto medo. Nessa noite, cansado, triste, tenso, com o olhar distante, Daniel bebia uma cerveja com a namorada e um amigo. Falavam-lhe e ele quase não respondia; os outros olhavam-no preocupados. Daniel disse: « Vou à casa de banho», e olhou intensamente para a sua amada, falando-lhe em Espanhol, a lingua do seu país natal, a Argentina, e também a dela e do amigo: «Amo-te»; ao amigo fez um pedido: «Cuida-me dela». Levantou-se, caminhou devagar, entrou na casa-de-banho e, passado um segundo , ouviu-se um estampido intenso e seco, que fez levantar todos os freguese de armas aperradas. A namorada e o amigo souberam antes de vê-lo morto. Suicidou-se com o rosto da criança nos seus olhos e no seu coração. Morreram dois seres humanos, uma criança que amava a bola e comia um gelado que ficou sujo de sangue e um jovem que amava a vida. Talvez Ariel Sharon não se importe. As vidas para ele nada importam. Que Sharon não se esqueça porque não será perdoado. Estes nomes, verdadeiros, são dois entre milhares e milhares e milhares que ele assassinou, como os nazis assassinarm o seu povo.

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